E no posto de saúde próximo...
- Moça, eu preciso de um médico...
- Tem que pegar a senha e aguardar o seu número ser chamado no visor... – apontando
o visor .
A senhora olhou em volta e deu-se conta do grande número de pessoas aguardando, sentadas, algumas alheias à TV de plasma sintonizada no telejornal. Buscou auxílio no segurança, que apontou a máquina de senhas automáticas, sem tirar o olho do televisor.
“D-1.023” , observou no papelzinho. No visor, o número D-998, seguido pelo C-406... Não entendia bem aquilo tudo e resolveu sentar e esperar. Ainda segurando aquele papelzinho já suado pela angústia, começou a pensar no caroço descoberto debaixo do braço. Discretamente, enfiou a mão através do blusão de lã, na vã esperança de apalpar-se e descobrir que ele havia desaparecido miraculosamente. Mas não havia. Mesmo através da blusa, podia percebê-lo ali, ainda que não se manifestasse... Ainda! Correu os olhos novamente pelo ambiente, como se quisesse afastar os pensamentos aflitivos, e procurou prestar atenção ao que estava sendo dito na televisão. No entanto, não conseguia escutar nada com o volume do som abafado pelas conversas paralelas e pelo ambiente em si. Apenas observou as imagens da reportagem que pareciam mostrar uma obra num estádio de futebol e diversos outros, em diferentes cidades. Depois, a imagem de um homem gordo e engravatado sendo entrevistado e compreendeu que o assunto versava sobre a copa do mundo. Não se interessava por futebol nem política. Tudo o que queria era ser atendida e ir para casa. Perdeu o interesse.
Após muito tempo de espera, viu seu número ser chamado no visor e dirigiu-se novamente ao balcão da moça com a qual havia conversado antes. Explicou, novamente, que precisava de um médico.
- Mas o que a senhora está sentindo?
Explicou a descoberta, no banho, do caroço debaixo da axila direita.
- A senhora tem que consultar é um ginecologista...
- Eu sei, filha, é por isso que eu estou aqui...
- Hoje só tem clínico geral e ortopedista. Ginecologista não.
- E quando o doutor vai estar?
- Não temos previsão, senhora. Estamos com falta de profissionais especializados...
- E como é que eu faço então? Não tem outro médico que possa dar uma olhadinha?
- Não. A senhora vai ter que ir no hospital do câncer...
- Câncer? – batendo na madeira – Não faz isso comigo não, minha filha...
- Quando foi a última vez que a senhora fez uma mamografia?
- Mamografia? Nem lembro mais. Da última vez, acho que há uns cinco anos, não teve jeito porque a máquina tava quebrada e iam marcar de novo. Nem sei se marcaram, não lembro mais. Deixei pra lá.
- Quantos anos a senhora tem?
- Eu tenho quarenta e sete, filha...
- E a senhora não correu atrás do exame?
- Achei que não precisava. Eu não estava sentindo nada...
- Bem, eu vou fazer o seguinte... Estou escrevendo aqui no papelzinho o nome e o telefone do hospital para a senhora ligar e marcar uma consulta com o médico especializado...
- Será que demora muito pra marcar?
- Isso eu não sei responder, senhora... A senhora vai ter que ligar lá e marcar...
- Será que se eu for lá de uma vez não é melhor?
- A senhora pode tentar, mas já vou avisando que é muito difícil a senhora conseguir... É preciso agendar a consulta, ver o dia que o ginecologista vai estar lá...
- E o médico daqui não pode dar uma olhadinha e fazer o pedido?
- Não pode... Tem que ser o especialista mesmo, senhora. E estamos sem especialistas...
- Ta bom...
Sete meses depois, após quase cinco de espera por uma mamografia, finalmente o câncer foi diagnosticado. Entretanto, devido ao estágio avançado da doença, pouco pôde ser recuperado do seio direito de D. Maria, que hoje aguarda a autorização para iniciar o tratamento quimioterápico.
Mas para não sermos pessimistas, uma notícia boa: tudo está sendo feito para que as reformas dos estádios possam estar prontas no tempo devido para a Copa do Mundo!
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