fevereiro 11, 2011

Estória para Descontrair Bois

Ao adentrar a ante-sala do gabinete, o homem começou a ficar tímido. Diante do olhar de reprovação das pessoas e da loura secretária, que o olhou de cima a baixo fingindo estar muito ocupada com alguma coisa na tela plana do computador, ele começou a sentir as mãos subitamente úmidas, ainda que o ar-condicionado estivesse ligado. Olhou para o chão, tomando consciência de sua triste figura naquele macacão que contrastava com a madeira encerada do chão e com aqueles sapatos de camurça, mas tomou coragem ao reconhecer a pequena bandeirinha com a estrela sobre a mesa e se aproximou. Quando falou, quase não conseguiu pronunciar as últimas sílabas, que saíram estranguladas como se um fio invisível e opressivo tivesse sido apertado, obrigando-o a emitir um som cada vez mais gutural. Recebeu a resposta lacônica de que o vereador ainda não havia chegado e que, se quisesse, poderia aguardar.

Já havia esperado, de pé, quase hora e meia em constrangido silêncio quando o vereador cruzou a porta do gabinete e, após um breve aceno com a cabeça para todos, abriu uma porta e sumiu da vista, sendo seguido pela moça loira que juntou um monte de papéis que estavam sobre a mesa. Esperou pacientemente por mais alguns minutos, quando a moça voltou e chamou o nome de uma senhora gorda, que aguardava no sofá. Depois dela, o senhor de paletó cinza e pasta escura, a senhora de verde-oliva, o homem calvo, de barba espessa, o jovem de óculos... Um a um, todos foram sendo chamados e ele sentou-se e aguardou pacientemente, evitando o olhar de soslaio da secretária, vez ou outra. E quando já esperava ser o próximo a ser chamado, ouviu o jovem, que havia chegado bem depois, ser chamado. Olhou sem entender os critérios e teve vontade de reclamar, mas se conteve e esperou. Quando o vereador apareceu novamente na porta, foi com surpresa que compreendeu que ele estava de saída e levantando, fez-se presente. Com declarado desagrado, foi convidado a entrar no gabinete e a sentar-se.

- Então, Sr...?
- Natanael...
- Bem, então, Seu. Natanael... O que eu posso fazer pelo senhor? Quem o indicou?
- Eu vim procurar o senhor a pedido dos meus companheiros da fábrica... É que quando o doutor teve lá na porta da firma, o doutor disse que a gente podia contar com o apoio do Partido...
- Apoio para quê? 
- É que está chegando a data-base e o pessoal lá da firma se reuniu no sindicato e resolveu que se o patrão não der o aumento que a gente tá pedindo, a gente vai fazer greve. A gente tá querendo o apoio do Partido...
- Sr... Natanael, não é? – o homem assentiu – O senhor sabe que não é assim que as coisas se resolvem. A greve deve ser a última alternativa... Qual é mesmo o sindicato que o senhor representa? – o homem disse – Pois é, senhor... Natanael, hoje em dia o país está mudado e as coisas não se resolvem mais da mesma maneira...
- Mas quando o doutor esteve lá na firma, o senhor falou que a gente tinha que lutar pela valorização do nosso trabalho e exigir melhor salário...
- E o salário não melhorou?
- Só se for para o doutor... Pra gente, continua a mesma m...
- Sr. Natanael... Se eu pudesse, aumentaria o salário de todos os trabalhadores do Brasil, mas não é assim que funciona...
- Mas quando a Petrobrás, a Mercedes, a Fiat fez greve, o partido apoiou...
- Ah, mas aí foi diferente... Nesses casos, o salário estava muito defasado...
- Doutor, andam dizendo por aí que o Partido só apóia os sindicatos da elite dos trabalhadores... Que os outros trabalhadores, quando precisam de apoio, se f...
- Isso não é verdade. O Partido tem trabalhado sempre em prol da valorização do trabalhador... Lá na empresa onde o senhor trabalha não estão fornecendo a cesta básica? O vale-transporte não está sendo distribuído?
- Sim, mas não é isso o que a gente quer, doutor. Isso tudo daí que o senhor citou a gente já recebe há muito tempo. O que a gente quer agora é salário... Salário....
- Se não me falha a memória, foi justamente nesta empresa que o senhor trabalha que foi implantado um programa de jovem aprendiz e de supletivo...
- Sim, doutor, é verdade. Mas não é disso que a gente tá falando...
- Além do mais, o senhor não pode se esquecer de que há muitas pessoas na economia informal que dariam um bonde para terem a carteira assinada... O Partido tem buscado alternativas para inserir essa parcela da população no mercado e por isso está apoiando as empresas a investir na qualificação do trabalhador...
- Mas doutor...
- Se as empresas estão investindo na qualificação, não podem aumentar os salários, o senhor concorda comigo?
- Mas...
- Então ficamos assim, Sr... Natanael, não é? Pois é, Sr. Natanael... Os senhores procurem lá o seu patrão e negociam... Estamos num país democrático, não é mesmo? Tudo é negociável... Agora o senhor vai me dar licença que eu tenho um compromisso muito importante... Mas lembre-se: Se o senhor e o sindicato precisarem do apoio do Partido, venha conversar com a gente... Conversando a gente se entende não é?

3 comentários:

  1. É exatamente assim que acontece. Campanhas floridas, candidatos sorridentes e sempre com uma orelha enorme para ouvir propostas e queixas, quase um amigo de infância. Depois de eleitos, é o maior festival de banana-nanica prá todo mundo.
    Estrela em cima da mesa? Já vi essa estrela também em lapelas, chaveiros, adesivos...quem sabe o significado dela não seja de forma clara, a bananada na orelha do trabalhador, depois das eleições, né?
    Estou pensando seriamente em lançar adesivos, chaveiros e broches com 3 passarinhos em carrossel. Meigo, não?

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  2. 3 passarinhos em carrossel? rsssssssss Explique melhor isso!

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  3. Imagine 3 passarinhos rodando em carrossel. Te remete a quê? Aos desenhos animados, quando alguém toma uma pancada na cabeça e os passarinhos aparecem, dançando em carrossel, sobre a cabeça da vítima. Lembrou?

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