fevereiro 13, 2011

O Homem do Saco



Seu Adalberto Pé-Ligeiro ia devagar pela estrada, levando às costas o velho saco de linhagem, mas ao passar pelo mata-burro, percebeu os homens armados com o porrete vindo em sua direção. A princípio, não compreendeu o fato e só se deu conta de que o caso era com ele quando olhou em volta e não havia mais ninguém na estrada. Então teve certeza de que a encrenca era feia e começou a correr o mais rápido que podia, sendo perseguido pelos homens:

- Pega! Pega! Segura o safado!

Não sabia o que estava acontecendo, mas diante da fúria dos opositores, sabia que a coisa ia ficar preta e não queria pagar pra ver. Mas Pé-Ligeiro, como o próprio apelido já indicava, não era fácil de ser pego! Correu tanto e tão rapidamente que logo os homens haviam ficado na poeira. Então parou na curva para tomar fôlego e matutar que diabos estava fazendo ele ali, correndo igual um leitão perseguido.

- Pega o canalha! Segura o sem vergonha!

Olhou para trás e a multidão havia aumentado. Agora havia também homens com enxada, foice, martelo... Mulheres munidas com panelas... Retomou a corrida desesperado, sem acreditar em tudo aquilo. Que estaria acontecendo? Por anos a fio percorrera o mesmo caminho, cobrindo léguas a pé, da chácara até a cidade, sem nunca antes ter sido importunado. O que estaria motivando tamanha fúria contra a sua pessoa? Durante todos aqueles anos, décadas, havia sido uma pessoa reservada, porém gentil com todos. E durante todas aquelas décadas tivera a delicadeza de cumprimentar os transeuntes com os quais se deparava no caminho, dando atenção a todos os que pediam informação... Não estava entendendo nadica versus nada do que estava acontecendo. Mas a turba vinha... e vinha que vinha...

Após correr sem mais pausa, vislumbrou a cidade. Correu ainda o mais rápido que pôde, mas logo que se aproximava, percebeu que havia outra multidão vindo em sentido contrário.

- Pega! Mata! Aleija!

Sentiu as forças se esvaindo e, caindo por terra, deixou-se abandonar à violência daquela injustiça! Fechou os olhos e agarrou-se à medalha de São Expedito que trazia sempre presa ao peito e rogou ao céu que lhe valesse naquele momento de aflição. Ouviu a sirene da polícia e o pipocar dos tiros de gás no exato momento em que sentira os primeiros golpes sendo desferidos.

- Para trás! Para trás todos! Agora é com a gente!
- Bate nesse cretino! Mata esse ladrão!
- Pedófilo! – alguém gritou longe
- Evacuar! – ouviu o grito forte e o estrondo cada vez mais próximo

Na delegacia, tentando enxugar o suor e o sangue do rosto na beirada da camisa, foi metido na sala dos investigadores:

- Desembucha logo! Onde estão os dólares? – disse o primeiro homem.
- Dólares? – repetiu atordoado
- O dinheiro, cacete! Onde está o maldito dinheiro?
- Que dinheiro?
- Deve estar no saco, inspetor! – disse outro

Tomaram-lhe o saco.
- Onde você roubou estas galinhas?
- As galinhas são minhas! – tentou retrucar
- Fala, safado! Além de sonegação fiscal e desvio de verba, agora também rouba galinhas, seu vagabundo? – sentiu um sopapo na cabeça que o fez curvar-se.
- Que verba, doutor? As galinhas são minhas! Eu crio e vendo as galinhas no mercado...
- Tá achando que aqui tem algum mané, vagabundo?
- Não senhor...
- Já conhece a rotina, né, pilantra? Então dá logo o serviço! Onde está o corpo?
- Corpo? Que corpo, doutor? – estava assustado
- O da sua mãe, seu viado! – sentiu outro sopapo na nuca – É claro que a gente tá falando do prefeito!
- Mataram o prefeito, meu santo!?
- Bota esse marginal na cela com os outros...

No jornal da tarde saiu todo o escândalo: Numa CPI da câmara, apurou-se que o Sr. Adalberto Silva, vulgo Pé- Ligeiro, estaria envolvido na máfia dos caça-níquel, prostituição infantil, desvio de verbas do hospital municipal, sonegação de impostos, assassinato do prefeito e furto de galinhas. Zé-Ligeiro foi condenado dez meses depois por todos os crimes, inclusive o do assassinato do prefeito, cujo corpo, diga-se de passagem, nunca fora encontrado.

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